29 de junho de 2010

Quando Jabor falou por nós


Os homens criaram este Haiti aqui
Publicado em 29.06.2010 no Jornal do Commercio:
http://jc3.uol.com.br/jornal/2010/06/29/col_288.php

Não adianta mais analisar p... nenhuma no Brasil de hoje. Tudo voltará ao início como cobra mordendo o próprio rabo, tudo continuará sob anestesia mas sem cirurgia, como disse uma vez Mario Henrique Simonsen. Tudo era previsível neste súbito Haiti que brotou no Nordeste, variando do deserto para o “tsunami” de lama, das “vidas secas” para o afogamento, sempre atingindo os mesmos pobres diabos sem voz, sem rosto, sem destino, que vagam nas cidades desgraçadas que o subfeudalismo dos barões nordestinos cultiva.

A análise tradicional não serve, só resta oferecer-me como testemunha inútil deste crime secular sem autores visíveis.

O autor não é Deus, não é a natureza, os homens teceram esta desgraça de agora, não por seus atos malignos apenas, mas por uma distribuição de causalidades inexplicáveis que cria o crime sem sujeito – uma difusa culpa que acaba inocentando todos.

No entanto, a verdade brasileira aparece nestas tragédias visíveis – soterramentos, alagamentos, bebês morrendo em berçários de hospitais assaltados.

Por outro lado, a verdade sempre esteve ali, silenciosa, dissimulada nos miseráveis vilarejos de Alagoas e Pernambuco, na paz trágica do nada, na mansidão da ignorância, no silêncio da miséria seca, aquela paz vazia que tranquiliza ladrões e demagogos, a paz da ignorância de vassalos toscos e obedientes.

Mas, de repente, jorrou a verdade com as águas das represas e açudes arrebentados. Tudo que não queríamos ver bate em nossos olhos grudados na TV, vendo o Maradona de terninho ou o Dunga com sua cara espessa e dura. A verdade aponta os responsáveis pela tragédia que certamente vão esconder que 57 por cento das verbas para prevenção de catástrofes desse tipo foram gastos na Bahia, para favorecer o candidato do governo para governador. Também não vão explicar porque só 14 por cento das verbas preventivas (71 milhões apenas) foram destinados aos Estados de Alagoas e Pernambuco.

Agora, com Lula e sua clone correndo para aparecer no teatro de lama, para impedir perda de votos, o governo vai gastar mais de 2 bilhões para consertar o que era evitável (ah...e que bons negócios se farão...).

A catástrofe estava encravada nas fazendas fantasmas, nos municípios controlados por barões, na indústria da seca – não só a seca do solo, mas a seca mental – onde a estupidez e a miséria são cultivadas para criar bons serviçais para a burguesia boçal. A catástrofe estava se armando enquanto soavam as doces camaradagens corruptas em halls de hotel, os almoços gordurosos, as cervejadas de bermudão, as gargalhadas, as “carteiradas” autoritárias, os subornos e as chaves de galão. As catástrofes estavam se armando durante os jantares domingueiros, na humilhação das esposas de botox, no respeito cretino dos filhos psicopatas, na obediência dos peões, dos capatazes analfabetos. A catástrofe se armava no sarapatel de ideias que vão desde um leninismo tardio até este “revival” de um sindicalismo getulista a que assistimos.
Os indícios desse desastre se veem na recente frase irada que Lula lançou: “Os impostos no Brasil têm de ser altos, sim, do contrário não temos Estado”. Esqueceu-se de dizer que os impostos que recolhe são gastos para pagar a folha de milhares de pelegos empregados, nos desvios de verbas públicas, esqueceu de dizer que a catástrofe se armava nos últimos 7 anos quando gastaram 8 bilhões em propaganda oficial, sem contar os gastos de empresas estatais.

A catástrofe também se armou aos poucos com a frente unida da Utopia, que permite que todos os erros sejam cobertos por um manto de “fins justificados” – a frente unida dos três tipos de radicais: os radicais de cervejaria, os radicais de enfermaria e os radicais de estrebaria. Os frívolos, os loucos e os burros. Uns bebem e falam em revolução, outros alucinam e os terceiros zurram, todos atacando o “capitalismo do mal”, quando justamente esse mal (que também existe) é a única bomba capaz de arrebentar nosso estamento patrimonialista de pedra. 

A catástrofe se arma para futuras tragédias, com a má utilização dos bilhões de dólares que entram em nossa economia, canalizados para países emergentes, pois estão sendo sugados pelo Estado inchado e inchando.

A realidade (se é que isso ainda existe no País) é que a tragédia fixa, silenciosa, invisível se transformou numa tragédia bruta e retumbante. Só isso aconteceu no Nordeste.
E para nós restam o horror e a pena, porque os fatos estão muito além da piedade. Ninguém tem palavras para exprimir indignação, ou melhor, ninguém tem mais indignação para exprimir em palavras.
Resta-nos a impotência diante do fato consumado e um sentimento nobre, mas que chega sempre depois da desgraça: a solidariedade.

O que é a solidariedade? Como sentir a dor dos outros? Sou solidário aqui ou apenas faço meu artigo semanal? Por que me comovo? Será que me comovo mesmo, será que me imagino ali na lama, procurando pedaços de comida no lixo e aí me purifico com minha indignação impotente? 

Como posso saber o que sente um homem-gabiru, faminto, analfabeto, que só é procurado pelos poderosos sacanas para ser “laranja” em roubalheiras para a cumbuca das oligarquias? Como posso saber da alma de um desgraçado limpando um pedaço de pão no lodo para dar para o filho bebê, com seu sofrimento mudo, enquanto os culpados dizem “que horror” nos prédios de luxo nas praias de Pajuçara e Boa Viagem ou se escondem nos cabides de emprego de Brasília? Como se sentem os homens sofridos que vemos chorando na TV, sob o som de gritos da Copa do Mundo, uivos de vuvuzelas e patetas pulando de alegria patriótica?

Os diques e os açudes que se romperam são os diques rompidos da mentira política sistemática. Então, pode ser que a história se mova um pouco e que a consciência de nosso absurdo aumente. Mas, isto... só por um tempo... Depois, novas catástrofes voltarão a se armar...

9 de junho de 2010

O português

Depois de me deparar com a palavra "confições" (sim, sobrevivi ao choque), pensei em outros termos que são proferidos diariamente e que acabam nos matando aos poucos. Eu comecei a ler Preconceito Linguístico, de Marcos Bagno, mas não terminei. Não por discordar, mas por perder o fio da meada. Em suma, ele afirma que não devemos ser preconceituosos com pessoas que não falam o português que consta nos livros e dicionários. Para ele, o que importa é que o indivíduo se faça entender.

Ok, mas não custa se esforçar um pouco, não é mesmo? Por isso, vou listar abaixo os palavrões gramaticais que ouço corriqueiramente. Antes, um esclarecimento: não serei didática porque não tenho conhecimento para isso e também reconheço que não sou discípula de Pasquale Cipro Neto (tenho, inclusive, uma terrível mania de salpicar vírgulas no texto).

Começando...

Suar: expulsar suor através dos poros
Soar: produzir som

Sendo assim, quando uma pessoa corre muito, ela não soa. Ela sua.

(o mesmo exemplo vale para o verbo ‘menstruar’. Ela menstrua.)


Possa ser
Esse dói. O que acontece é que, de acordo com minhas pesquisas, existe uma forma correta para utilizar a expressão. Não entendi bem, mas o que deu para entender é que é mais fácil você excluir o ‘possa ser’ de sua vida. É mais fácil, vai por mim.


Adevogado
Comum que só pedinte nas ruas, a palavra adevogado se prolifera. Qual o problema em esquecer a vogal ‘e’? É tão complicado falar advogado?


Dolze
É o mesmo processo da palavra anterior. Por que colocar o “l’ na pronúncia? É só falar ‘dôze’ que já está valendo.


Lavagem celebral
Quando ouço, morro de vontade de dizer: celebral é o meu pé!! Por favor, é cerebral. Com ‘r’ mesmo.

Seje
Ai. Seje é igual a veje. Ou seja: errado! Seja e Veja.

Meia
Bem, aqui eu ainda sei explicar. A palavra ‘meia’ só é utilizada quando queremos nos referir à vestimenta que cobre nosso pé. Outra forma é quando do nos referimos á medida. 
Exemplos: Taty, você está com chulé. Use meia. / Zaíra bebeu meia garrafa de Pitu.

Jamais fale: Ela está meia bêbada. Se disser, o ouvinte vai achar que só metade do corpo da pessoa está bêbada.

Acho que lembrei os que mais me sufocam. Se eu lembrar de mais, escreverei depois. 

Com o apoio do Aulete e do site Conjuga-me.

7 de junho de 2010

Pelo (meu) bem


Diante de uma imagem de farrapeira e de uma pessoa que não tem consideração pelos amigos, dei início, ainda que involuntariamente, a uma campanha para reverter essa visão. Mas já vou confessar: não é fácil. Sinto que sempre vai haver cobrança, ainda que eu esteja me desdobrando para conseguir me redimir com todos.

Na última sexta-feira, fui à comemoração do aniversário de uma amiga da faculdade. Ela, sempre que está com paciência, me chama para sair. Na verdade, tem até se tornado escasso o número de convites. Enfim. Compareci e acho que não fiz feio.

No sábado, foi a vez de uma outra amiga da faculdade. Aí, sim, minha responsabilidade era maior. Há tempos que tentávamos marcar, mas não conseguíamos nos ver. Uma parte é culpa minha, confesso. A outra é dela. Ou do filho pequeno dela. Ou do tempo. Ou de qualquer coisa. Como não poderia deixar de ser, foi com enorme dificuldade que nos encontramos em um bar junto com mais outras amigas. E deu certo.

No domingo, o mais improvável: aniversário de uma amiga que conheci durante estágio em uma assessoria de imprensa. Obviamente, esse seria o único local que nos esbarraríamos. Ela, gazela assumida, freqüenta os lugares mais finos-e-fofos-da-sociedade-pernambucana. Eu, não. Estou longe de encontrá-la, sem que tenhamos marcado, em alguma festa num sábado à noite. Ela marcou no Nakumbuca, onde nunca fui por falta de interesse. Não sei dizer o tempo que não a via, mas tem muito tempo. Como ela estava na lista dos que me cobravam um almoço ou o que quer que seja, lá fui eu para o bar. Lá chegando, como eu previa, não conhecia absolutamente ninguém. A aniversariante não poderia conversar exclusivamente comigo, então, fiquei só. Bem só. O maior diálogo que travei com alguém foi:

A voz: essa cadeira está livre?
Eu: (deixando de ler o cardápio pela milésima vez): Sim, pode pegar.
A voz: Obrigado.

Pronto. O resto do tempo foi dividido entre olhar para o bar, para a mesa, para o garçom, para a televisão...No geral, foi bom. Minha moral, espero, está elevada e, humildemente, me senti importante prestigiando-a.

Vamos aos próximos da lista.

2 de junho de 2010

O próximo

A saúde pública não anda nada bem. É redundância de minha parte, eu sei. O fato é que a gente se acostuma a assistir aos jornais e passa a não sentir tanto esse desprezo do governo. Infelizmente (ou felizmente), tivemos que recorrer a um hospital público no último final de semana. Mainha não estava se sentindo bem e não havia feito o plano de saúde - o que, de certa forma, é culpa minha por ter sido omissa.

Fomos lá duas vezes e saimos com o mesmo resultado: suspeita de dengue. Na segunda ida ao hospital, entrei e, enquanto esperava o resultado do exame, fui observar o estado do lugar. Pessoas com dores não tinham direito a deitar em macas. No corredor, claro. Enfermaria é lenda. Alguns, com sorte, conseguiram lençol. Os que chegaram depois tremiam de frio.

Na porta, esperando o bendito resultdo, via uma senhora de uns 70 anos em uma maca. Perto dela estava uma acompanhante. Ela estava tentando se levantar e eu ofereci ajuda. A senhora não ouvia bem e não entendeu nada do que eu disse. Aí a acompanhante explicou que eu era uma moça que iria ajudá-la. A paciente, que estava no soro e debilitada, segurou meus braços e beijou minha mão numa demonstração de eterna gratidão. Para mim, esse gesto representou bem o que todos vivem ali: desespero por um consolo. O beijo foi um agradecimento tão grande de alguém que estava implorando uma atenção, um olhar que reconhecesse que ali existe uma pessoa, um ser humano.

Após receber o beijo, fui terminar de chorar pelos corredores. Não consegui segurar. Me vinha à cabeça o quanto somos mesquinhos e egoístas. Ainda sinto esse sentimento quando recordo a cena. E espero, sinceramente, que eu continue voltando a ele para lembrar o quanto a solidariedade nos purifica e nos conforta.
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