Noventa e quatro anos de história cheia de vitórias e derrotas, como em qualquer contabilidade da vida. Fundado em 3 de fevereiro de 1914, o Santa Cruz Futebol Clube nunca viveu uma fase tão dolorosa. Após um período de glória, o tricolor começou seu declínio em 2006, quando foi rebaixado para a série B do Campeonato Brasileiro. De lá pra cá, uma seqüência de queda.
O mais recente capítulo vivido pelo clube e pela sua imensa torcida foi no último final de semana, quando o time sepultou as últimas esperanças de permanecer na série C do brasileirão. A derrota para o Campinense mostrou que o Santa ainda não tinha chegado ao fim do poço. Agora, o time tem que estar entre os quatro melhores colocados do Campeonato Pernambucano de 2009 para conseguir vaga na série D.
Essa crise dentro das quatro linhas é, na verdade, reflexo do que tem ocorrido nos bastidores.
Faltou planejamento durante a gestão do presidente Édson Nogueira, o Edinho. Assim, toda a equipe sai prejudicada. O último técnico a assumir o time foi Bagé, que só conseguiu uma vitória numa média de seis partidas. Deixou o cargo após o último empate. Já foi tarde. E muito.
O que se via em campo era um time mal estruturado, e pior: sem qualidade técnica. Os jogadores passavam a semana treinando para errar lançamentos, cruzamentos, cabeceio e passes. São erros primários que facilitaram os gols sofridos durante as duas fases do brasileirão. Perdemos para times que, para nós, são desconhecidos. No entanto, os torcedores desses desconhecidos calaram os tricolores pernambucanos a cada empate ou vitória conquistada no Mundão do Arruda.
A atitude de Edinho esta semana foi de antecipar as eleições presidenciais do clube. Era o mínimo que ele poderia fazer diante de tanta incompetência. Durante a coletiva de imprensa, ele afirmou que não se arrepende de nada do que fez e diz que sai de cabeça erguida. Típico discurso de fracassado que precisa dizer isso para conseguir acreditar que teve competência.
Essa retórica do presidente é totalmente oposta a dos torcedores tricolor – vale ressaltar que o time ficou em quarto colocado no ranking de média de público no estádio, perdendo apenas para o Corinthians, Grêmio e Flamengo. O Terror do Nordeste levava para o estádio cerca de 20 mil fiéis torcedores, que pagaram ingresso caro (R$ 20), gritavam, cantavam, apoiavam e aplaudia o time. E olhe que o time estava na série C, que nada tem de privilegiada!
O sentimento que reina no Recife é bem descrito pelo texto de Roberto Vieira para o blog de Juca Kfouri:
“O silêncio do Terror
Por Roberto Vieira
Hoje, o Recife é uma cidade em silêncio. O povo humilde nas ruas já não canta. A pobreza subitamente ficou mais triste. O Santa Cruz, antigo Terror do Nordeste, acordou quase na Série D do futebol brasileiro.
O Mundão do Arruda com sua legião de fiéis está vazio.
Porque o Santa Cruz não é um clube de anéis de diamante. Carros importados. O Santa Cruz não nasceu em berço de ouro. O Santa Cruz é um clube feito de mangue e lágrimas. Mocambos e favelas. Longe dos palacetes de Rosa e Silva. Distante da fortuna da Abdias de Carvalho.
O Santa Cruz é a expressão mais perfeita de uma cidade feita de constrastes. Das pontes que cruzam o Capibaribe, holandesas. Das crianças que moram sob as pontes, africanas.
Mas, se resta um consolo aos torcedores que guardaram suas surradas camisas tricolores na saudade. É a certeza de que a torcida tricolor não foi derrotada. Pois a paixão destes abnegados que só pensam no Santa Cruz com o coração permanece invicta.
Derrotados foram os dirigentes que durante décadas se aproveitaram do amor da torcida coral para se elegerem semideuses. Para serem heróis da mídia. Para multiplicarem seus haveres. Estes senhores não possuem a dignidade deste povo que hoje sofre em silêncio.
Porque hoje o Recife é uma cidade em silêncio.
A pobreza, subitamente, ficou mais triste..."