23 de janeiro de 2020

Preconceito


Morando a uns tantos quilômetros do trabalho agora, nem sempre tenho carona para os trajetos. E ontem foi assim. Voltei de ônibus e, diante do horário de pico, ele estava cheio e optei por ficar antes da catraca. Coloquei minha mochila no chão e me acomodei, dentro do que é possível em um sistema de transporte deficiente como o nosso. Não sei em que momento isso aconteceu, mas olhei para a porta dianteira e vi que tinha acontecido algum mal entendido entre o motorista e um rapaz. Coisa simples e sem exaltações.

A partir desse momento, passei a observar mais os dois. Pouco tempo depois, presenciei o seguinte diálogo:

Cobrador: ei, vai passar ou já desse a real para o motorista e dissesse que tás de carona?
O rapaz, meio emputecido, disse: falei
Motorista: falasse o que pra mim? falasse não
Rapaz: deixa, abre que eu vou descer
Motorista: é assim, é? Vai não. Só vai descer quando eu quiser




Eu estava na mesma situação que o rapaz: não tínhamos pago a passagem e estávamos dentro do ônibus. Confiaram que eu pagaria e duvidaram dele. Qual a diferença? A aparência. Tal qual o vídeo que circulou nas redes registrando alguém que teve o celular furtado no ônibus. A vítima acusou uma mulher negra de ter cometido o ato. Imediatamente, ela é revistada pela polícia e exposta para todos os passageiros. Chamou minha atenção  o quanto ela parecia estar habituada a esse tipo de situação, de humilhação. Era um conformismo sofrido, mas insonoro. O vídeo é um pouco longo e o melhor está no final: quem havia furtado o item foi outra mulher. Branca, loira e de ~~boa aparência~~.

O rapaz de ontem é negro e estava despenteado. Usava roupas roupas simples e gastas, um chinelo e estava agarrando uma mochila. A diferença entre nós era a cor - acho que sou parda-, e eu estava com roupas mais conservadas, embora velhas.

Isso foi o que nos diferenciou, na visão do cobrador e motorista (dois profissionais tão sacrificados no mercado e mal pagos). A imagem determinou a conduta deles e norteou o tom da intolerância. O preconceito deu a eles o álibi para agirem dessa forma. Claro que o rapaz estava puto. E acredito mesmo que ele estava pegando carona e não tinha condições de pagar, mas eles não sabiam se eu tinha dinheiro. Eu também não havia dito que ia esperar esvaziar, que ia pegar carona..nada. Nós dois apenas subimos e nos acomodamos.

Intervi e entrei na conversa para avisar ao rapaz que pagaria a passagem dele. E a minha. Ele passou e ganhou o direito ao respeito, tão comum a quem tem condições de bancar qualquer coisa neste pais. O que não passou foi a minha indignação. O que não deve ter passado também foi a dor dele.

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